Sistema Tributário

Estado! Quem quer comprar?

Contam que num país distante deu-se o seguinte caso: “O rei pediu ao seu ministro das finanças que subisse os impostos em cem por cento. Este protestou alegando que a medida seria impopular mas obedeceu. Dias depois reportou ao rei os comentários desairosos que ouviu por todo o reino. “A é? _ disse o rei. _ Então aumente em mais cem por cento todos os impostos! “Fiel ao monarca, o ministro obedeceu, prevendo uma catástrofe. No dia seguinte, lutou bravamente para ultrapassar o piquete que bloqueava o palácio real. Quando finalmente chegou à sala do trono, o rei, que já estava consciente do caos, disse sem demora: “Dobre imediatamente os impostos! “. Dessa vez o ministro perdeu o respeito e o chamou de demente e suicida mas obedeceu. No mesmo dia, assustado correu ao rei dizendo: “O povo se acalmou! Muitos começaram a rir!” O rei então disse: “Pode diminuir os impostos porque o povo parou de pagar.”

Os estados sólido, líquido e gasoso não são algo que se compre ou se venda, visto serem uma condição física e não dependerem da existência do ser humano. Também não é de algum periódico a que se refere neste texto. O estado de miséria é algo de que se foge, enquanto o estado de riqueza é algo que se ambiciona. Então, de que estado se trata? Trata-se daquele que se escreve com letra maiúscula. Aquele que deveria dar a todos bens e serviços essenciais cuja concretude não deveria estar em causa. Entender por que os cidadãos parecem ter extrema dificuldade de encarar o Estado como um bem qualquer, que se pode ou não querer comprar, já seria alvo de estudo muito mais profundo que o presente.

Até os anos 1990, os estudiosos dos monopólios naturais (Campos filho e Pires, 2002) usavam as companhias telefônicas como exemplo de que, abusando-se do preço, o consumidor poderia recorrer ao radioamador. Se a empresa de água e saneamento básico, outro exemplo de monopólio natural, cobrar excessivamente pela conta de água, poder-se-á cavar um poço artesiano e jogar o esgoto em um sumidouro, nem sempre legal. Se o Estado, detentor do monopólio institucional(Furtado, 2003) sobre a violência, como diria Max Weber (2011), cobrar impostos escorchantes e não cumprir seu papel, não há quem impeça a sonegação. A anedota acima mostra muito bem que o estado é algo pelo que se pode perfeitamente não querer pagar, mesmo que, de seu uso, ão se possa escapar. Basta que os tributos não condigam com os serviços que presta a sociedade e a sonegação sobe ao insuportável.

O Estado é um bem sui generis. Ele tem o poder de coerção (Santos silva, 2017). Pode obrigar um cidadão a fazer ou deixar de fazer algo, desde que amparado em lei[1]. Por consequência, pode obrigar a pagar impostos, mesmo não dando a contrapartida. Devido ao mesmo poder de coerção, pode-se afirmar que o Estado exerce a autoridade, submetendo o cidadão. É bíblico que não se pode servir a dois senhores[2], daí o Estado ser uno, o que caracteriza um monopólio institucional por excelência.

O monopólio é a configuração de mercado que, por ser injusta, é mais combatida pelo próprio Estado. Há uma séria tendência a estatizar os serviços que o caracterizem, como fornecimento de água, transporte público e outros. Pelo fato de o monopolista ser detentor de todo o mercado, pode ditar preços e qualidade para os bens que oferece à sociedade. Quando o faz, é sempre leonino, mas com o limite estipulado pelo concorrente potencial (Bitencourt, 2008).

Na campanha para reeleição de Bill Clinton, em 1996, consumiram-se, declaradamente (Miller Center, 2020), mais de Us$ 5 bilhões. Será que tamanho investimento é sinônimo de patriotismo, ou haveria beneficiados com sua permanência e dispuseram a abrir as burras? Fica a dúvida no ar, especialmente depois do advento da Internet e seu uso como ferramenta eleitoral e o orçamento de campanha tornou-se difuso (Kayser, 2019). Mas se o poder não fosse bom, não haveria candidatos. Quem que, em sã consciência, quer ser o síndico do prédio em que mora? Se a resposta for “ninguém”, é porque neste cargo só há trabalho, não se reconhecendo autoridade ou poder.

Será que a sociedade está presa em uma armadilha? Os iluministas diriam que não. Para eles o poder emana do povo e em seu nome deve ser exercido. Os anarquistas, por sua vez diriam que sim, já que “money makes the world go arround”. Em outras palavras, o poder não se distribui igualmente entre os cidadãos. O dono de uma rede de emissoras de televisão provavelmente terão muito mais influência do que um favelado. Os democratas contra-argumentariam dizendo: “se não se está contente com a situação, vote-se na oposição. “Não há como duvidar da inveracidade dessa frase. É que, como o dinheiro faz o mundo girar,, a probabilidade de um eleger-se é função direta do investimento na campanha. Ao mesmo tempo, dado à regressividade do sistema tributário, que mais paga tem menor probabilidade de ascender ao poder, o que cimenta a posição de antagonismo entre Estado e cidadão. Os mais ricos recusam-se a pagar porque não se veem contemplados pela oferta de serviços, os mais pobres revoltam-se porque não conseguem fugir aos tributos e realmente não têm acesso ao aparelho estatal.

A demanda por serviços públicos ão desaparece com a ausência do Estado. É justamente aí que os contraventores do jogo do bicho, milícias e os traficantes de drogas são considerados como beneméritos porque fazem o que o Estado não faz minimamente, vendendo saúde e segurança aos moradores das regiões que dominam. O preço, quando não expresso em valor violentamente extorquido, é o silêncio. Quando financiam escolas de samba e torcidas organizadas, seu poder transborda a área de influência e tornam-se benfeitores para a cidade toda.

Nos pequeníssimos lapsos de democracia pelos quais o Brasil passou, ouviu-se que “É preciso fazer um pacto social. “A frase deveria ser: “É preciso fazer um novo pacto social”. Naturalmente, já há um, caso contrário, o Brasil estaria em uma guerra civil. A questão é definir qual ele é hoje e verificar se é bom para todos. O atual parece ser: “você não me cobra e eu não o denuncio.”É evidente que não se trata de um acordo que engloba toda a sociedade porque a imensa maioria das pessoas nem sequer sabe que paga impostos. Envolve sim os que deveriam pagar e não o fazem e os que deveriam cobrá-los e também não cumprem seu dever. Resumindo, há os que detém o poder e fazem parte de um acordo, enquanto uma enorme parte da sociedade vive à margem do poder, pagando impostos e sem dar sua opinião sobre como esse pacto deveria ser.

Somente colocando Estado e povo alinhados é que se poderá transformar o país. O primeiro passo é montar um sistema tributário novo e criativo, em que todos _ sem exceção _ paguem impostos, não admitindo, portanto, que os que detém o poder desviem as verbas, pois, em todos pagando, todos fiscalizam.

Duas premissas tornam-se essenciais para que tudo funcione. A primeira diz respeito à consciência sobre o tributo pago. A Segunda é referente ao interesse por pagar.

Este trabalho é uma reflexão sobre o fato de que a imensa maioria da população nem sequer sabe se paga ou não impostos. Isso decorre do fato de que eles estão embutidos no preço das mercadorias. Assim, quando um favelado toma um refrigerante paga, sem saber um quarto do valor em impostos. Alguns teóricos aventam a possibilidade de, como se faz nos Estados Unidos, destacar os impostos para que o indivíduo saiba em que medida é tributado. Nos próximos capítulos apresentar-se-á um caminho alternativo.

Referências

BITENCOURT, Thiago et al. Alternância entre concorrência e monopólio em Marx, Schumpeter e na escola austríaca. Universidade federal Fluminense, Niterói 2008, disponível em repositorio.ufsc.br, consultado em 10 ago 2020.

Bill Clinton: Campaigns and Elections | Miller Center, dispoonível em www.millercenter.org, consultado em 10ago 2020.

Kayser, Brittane Manipulados, traduzido por Bruno Fiuza & Roberta Karr, Editora Casa do Livro/HarperCollins Brasil, São Paulo 2019.

PIRES, Adriano; CAMPOS FILHO, Leonardo. Investimentos em setores de infra-estrutura: a questão da regulação do monopólio natural e a defesa da concorrência. BNDES, Rio de Janeiro, 2002, disponível em https://web.bndes.gov.br/bib/jspui/bitstream/1408/13468/2/Investimentos%20em%20setores%20de%20infra-estrutura,%20a%20quest%C3%A3o%20da%20regula%C3%A7%C3%A3o%20do%20monop%C3%B3lio%20natural%20e%20a%20defesa%20da%20concorr%C3%AAncia_P_BD.pdf , em 10 ago 2020.

FURTADO, André Tosi. Mudança institucional e inovação na indústria brasileira de petróleo. Revista Brasileira de Energia, v. 9, n. 1, 2003, disponível em javascript:void(0), consultado em 10 ago 2020.

SANTOS, Eduardo José Silva. A utilização do direito penal como meio de execução forçada de tributos fiscais. 2017, Universidade Federal do Piauí, Teresina , disponível em http://200-98-146-54.clouduol.com.br/handle/123456789/849, consultado em 10 ago 2020.

WEBER, Max. Ciência e política: duas vocações. Editora Cultrix, São Paulo 2011.

  1. Constituição Federal do Brasil, art. 5º, inciso II.
  2. Mateus 6,24)