História Econômica do Brasil

Impacto da adição de álcool à gasolina e os resultados da Petrobras entre 1975 e 2015 como projeto de pesquisa

Sumário

Introdução

A economia da cana de açúcar é, provavelmente, a única atividade econômica constante em volume e importância na evolução econômica brasileira. Outras atividades vieram e se foram deixando um legado mais folclórico do que de formação de capital, ou de desenvolvimento tecnológico. O pau-brasil quase não deixou rastro, o ouro deixou arquitetura, o café deixou uma indústria incipiente e o algodão foi oportunista, aproveitando a Guerra civil americana. Houve quem chamasse de ciclos, o que é extremamente discutível porque essas atividades, que se tornaram residuais, não apresentam os movimentos de fluxo e refluxo que se esperam de movimentos cíclicos. Cada atividade teve seus motivos para chegar e teve suas razões para declinar. Nem mesmo a indústria fugiu disso, tornando-se pujante no rastro das políticas desenvolvimentistas inspiradas no pensamento cepalino, porém, sem se preparar para manter-se competitiva num ambiente comercialmente internacionalizado. A economia açucareira, ao contrário, esteve sempre presente, mesmo que ofuscada temporariamente. É de se esperar que a atividade seja determinante no protagonismo político em âmbito regional, ou mesmo nacional.

Não há como dissociar o uso do álcool como combustível ou parte dele e o poder dos usineiros. Correia (2007) divide a adoção do etanol como combustível em cinco etapas: experimentação (1923 – 1974), primeira fase do Proálcool (1975 – 1980), segunda fase (1980 – 1988), crise de confiança (1989 – 2003) e renascimento (2004 ao presente). Primeiro pensou-se em usar etanol hidratado[1] como combustível e, em 1923 um Ford Modelo T participou de uma corrida usando-o como fonte exclusiva de energia. Em 1933, como os preços do açúcar, derrubados pela recessão de 1929, não reagissem, fundou-se o IAA (Ramos 2007, tendo como missão regular produção e preços do produto. O primeiro passo foi consumir o excedente de açúcar fermentando-, destilando-o e obrigando os importadores de gasolina a adicioná-lo na proporção de 20% ao combustível oferecido ao varejo (Fonseca 2003). O racionamento ocasionado pela II Guerra induziu a percentagem a atingir 42% e, a partir de 1945, essa percentagem passou a variar consoante as necessidades de regulação regional dos excedentes de açúcar, a ponto de a proporção manter-se ao redor dos 40% no Nordeste, ocasionando graves consequências em desempenho e durabilidade dos motores de ciclo Otto[2] (Fonseca 2003). O IAA deixou de regular a proporção mas não impediu a adição de etanol anidro[3], desorganizando o mercado que ficou à mercê das negociações entre distribuidoras e usineiros. Entre 1966 e 1969 essa parcela atingiu os 13,5%, caindo para 3% da gasolina até a crise do petróleo.

O consumo mundial de açúcar cresceu 187% na década de 60[4], principalmente no Oriente e nos países em desenvolvimento, o que gerou otimismo entre os produtores brasileiros e técnicos do IAA, que acabou por mediar recursos suficientes para que a produção dobrasse até o início dos anos 70, indo das três milhões de toneladas para seis milhões[5]. São Paulo entrou seriamente para o rol dos exportadores, atingindo, somente para os Estados Unidos, 2,9 milhões de toneladas em 1973, caindo para 1,2 milhões de toneladas em 1975[6]. Dessa forma, a edição do Proálcool ocorreu num momento de retração do consumo americano e de grande oscilação provocada pela crise do petróleo que se avizinhava.

Na Primeira fase do Proálcool, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) assumiu a determinação da quantidade de álcool adicionada, mantendo-a em 15%. É que as usinas ainda viam o produto como marginal, não como coproduto (pereira et al, 2018) o ou mesmo como foco da atividade principal. Isso começou a mudar no início dos anos 1980 com a inauguração das primeiras destilarias exclusivas. Foi então que essa proporção fixou-se em 20%, baixando somente durante a crise de confiança a partir do fim do IAA em 1991, quando chegou a quase zero, sendo muitas vezes substituída pelo metanol importado.

A taxa voltou a subir com o renascimento ocasionado pela introdução dos veículos bicombustíveis. Em todo o período, no entanto a prática destinou-se a servir de medida anticíclica para o preço do açúcar, o que se agravou a partir de 1975, no que Carvalho e Silva (2016, p. 18) chamou de período hegemônico. Isso se define a partir do ponto em que o Brasil tornou-se o maior produtor e exportador mundial do produto com 30% do mercado internacional. É que tanto o Brasil tornou-se um dos maiores produtores e consumidores de petróleo do mundo, como sua frota movida por motores ciclo Otto atingiu vinte e nove milhões de unidades, consumindo quarenta e um bilhões de litros de gasolina ao ano. Somando-se o tamanho da frota, a tecnologia flexível e a hegemonia brasileira no mercado de açúcar, a adição de etanol consolidou-se como uma grande válvula de escape para os riscos dos usineiros.

Aqui ainda não se referiu ao uso do álcool carburante porque este passou a ser concorrente da gasolina graças advento do carro bicombustível. Embora essa concorrência possa ter trazido consequências para a lucratividade da Petrobras, por tratar-se de questão de mercado, não de imposição, merece estudo à parte.

Problema de pesquisa

Os jornais não cansam de dar conta dos indícios de corrupção que envolvem contratos com a Petrobras. Não se cita, porém, o peso que tem o fato de ela ser um instrumento político para atender os interesses de grupos econômicos absolutamente legalizados como o dos usineiros, cujo poder é remanescente do período colonial. É possível, com os instrumentos contábeis e estatísticos, além dos históricos dialéticos, transformar em números essa carga? Até que ponto ela dificultou e ainda dificulta o equilíbrio financeiro da estatal brasileira mais valiosa?

Objetivos

Este trabalho visa exclusivamente verificar as consequências da pressão política de um setor da economia sobre os resultados de uma empresa estatal que detém um monopólio institucional. Para não ampliar seu foco, não se estudarão, se não marginalmente, consequências adjacentes do poder dos usineiros como o brasil ser o único país em que não se permite usarem-se automóveis de passeio ciclo diesel[7], posto que, dada sua grande eficiência, o mercado de etanol hidratado extinguir-se-ia com grande probabilidade.

Metodologia

Através de um estudo baseado nos registros contábeis da Petrobras, usando-se a simulação de balanços sem a referida adição, comparando-os com os balanços publicados e equalizados conforme as práticas atuais da IAA (International Accounting Association), verificar se a empresa teve variação positiva ou negativa com a adição de álcool à gasolina. Isso envolve não somente a renúncia de faturamento causado pelo volume de álcool adicionado como também as consequências em custos, capacidade de investimento e consequências financeiras das operações de mercado futuro de que a estatal possa ter sido liquidante.

Essa aproximação, além dos conhecimentos de contabilidade gerencial e societária depende de profundos estudos em microeconomia porque a introdução de motores específicos para queimar álcool hidratado na segunda faze do Proálcool alterou o mercado de automóveis. Partindo-se do princípio de que o álcool fosse produto complementar do carro a álcool e a gasolina tenha-se mantido como complementar do carro a gasolina promoveu-se a concorrência entre carro a álcool contra carro a gasolina. Isso teve consequências no período de desconfiança (1991-2004) porque os veículos são bens duráveis, mantendo-se em uso mesmo depois de a indústria ter desistido deles. A partir do renascimento, com os motores flexíveis em combustível, álcool e gasolina passaram a concorrer entre si, não mais afetando o mercado de automóveis mas.

O estudo também envolve a monetização da economia brasileira porque a Petrobras passou a ser a maior liquidante de operações de futuros e de papéis do agronegócio originados pelas usinas.

Hipótese

A hipótese principal é que a empresa tenha tido prejuízo nos três âmbitos: renúncia de faturamento, diluição de custos fixos a maior pela limitação das quantidades vendidas e perdas financeiras oriundas da assunção de riscos moral ou de negócio de seus fornecedores.

A exemplo do que parece ter ocorrido na segunda faze do Proálcool, o renascimento pode ter transferido renda da sociedade para os usineiros via Petrobras, com consequências a serem estudadas como hipótese adicional.

Referências

BELIK, Walter. Tecnologia em um setor controlado: o caso da indústria canavieira. Cad. Dif. Tecnol, Brasília,

2(1)1985, p. 99-136, p102. Disponível em https://seer.sct.embrapa.br/index.php/cct/article/viewFile/9250/5284.

CORREIA, Eduardo Luiz. A retomada do uso de álcool combustível no Brasil. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Juiz de Fora. Juiz de Fora, Brazil, 2007.

FERREIRA, Alex Morais et al. Contabilidade de custos: uma abordagem conceitual de produção conjunta e principais métodos de apropriação de custos conjuntos. 2019.

FONSECA, Pedro Cezar Dutra. O processo de substituição de importações, In: Formação Econômica do Brasil”. Capítulo 11. Organizadores: José Márcio Rego e Rosa Maria Marques. São Paulo: Saraiva, 2003. Disponível em: http://www.ufrgs.br/DECON/publionline/textosprofessores/fonseca/capitulo11.pdf , Acesso em 3 de março de 2013.

RAMOS, Pedro. Os mercados mundiais de açúcar e a evolução da agroindústria canavieira do Brasil entre 19301980: do açúcar ao álcool para o mercado interno. Revista de Economia Aplicada, Ribeirão Preto, v.11, n. 4, pp.559-585, outubro-dezembro, 2007, p.561. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/ ecoa/v11n4/06.pdf. Acesso em 17de agosto de 2012.

PEREIRA, Dyovana Muzetti et al. Métodos contábeis de custos conjuntos aplicados em empresas de extração mineral: um estudo de caso. In: Anais do Congresso Brasileiro de Custos-ABC. 2018.

SILVA, Luiz Alberto Melchert de Carvalho. A intensificação do plantio de cana-de-açúcar e suas consequências na economia urbana entre 1975 e 2010 na região noroeste do Estado de São Paulo. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016.

  1. Etanol até 97ºgl, também conhecido como álcool carburante que é usado como combustível vendido a varejo por ser estável o suficiente para ser estocado em médio prazo.
  2. Motores que dependem de faísca para a ignição.
  3. Álcool graduação maior que 99,9º que é usado para adição à gasolina por ser de difícil armazenamento e não contaminar com água o hidrocarboneto.
  4. RAMOS, Pedro. Os mercados mundiais de açúcar e a evolução da agroindústria canavieira do Brasil entre 19301980: do açúcar ao álcool para o mercado interno. Revista de Economia Aplicada, Ribeirão Preto, v.11, n. 4, pp.559-585, outubro-dezembro, 2007, p.578. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/ ecoa/v11n4/06.pdf. Acesso em 17de agosto de 2012.
  5. Ib idem.
  6. BELIK, Walter. Tecnologia em um setor controlado: o caso da indústria canavieira. Cad. Dif. Tecnol, Brasília,2(1)1985, p. 99-136, p102. Disponível em https://seer.sct.embrapa.br/index.php/cct/article/viewFile/9250/5284.Acesso em 5/11/2012
  7. Motores que dependem somente da compressão para iniciar a queima.