História Econômica do Brasil

A crise das décadas de 1970 – 1980 e o fim do período desenvolvimentista

Para efeito deste trabalho, usar-se-á o período compreendido entre 1973 e 1991. 1973 justifica-se por considerar a Guerra do Yom Kippur e ensejou o embargo árabe ao fornecimento do petróleo, o que originou o primeiro choque. 1991 corresponde ao abandono oficial do desenvolvimentismo brasileiro que se originou em Vargas em 1930, período de recuperação econômica de após a crise de 1929, fortalecendo-se no Estado Novo, com um breve interregno entre 1946 e 1949, retomado ainda no governo Dutra. O modelo desenvolvimentista baseado em substituição de importações e grandes investimentos estatais em obras e atividades econômicas não suportadas pela iniciativa privada manteve-se durante o período militar, de forma oficialmente planejada até o II PND (Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento), já dentro do recorte. O ano de 1991 assistiu a extinção o do IAA (Instituto do Açúcar e do Álcool) e IBC (Instituto Brasileiro do Café), indicando o fim do intervencionismo acerca dos produtos de exportação e o início do programa de privatizações. Este trabalho divide-se em três seções: cenário internacional, cenário nacional e conclusão.

1. Cenário Internacional

O preço do petróleo vinha-se mantendo artificialmente baixo por décadas após o término da II Guerra, seja pelo excesso de oferta, seja pela política externa americana que favorecia a divisão dos árabes em pequenos estados, impedindo que se organizassem. Isso funcionou até que, por pressão das economias europeias, o nível das reservas americanas de ouro ficasse tão baixo que Nixon teve de decretar o fim do padrão-ouro em dezembro de 1971, o que causou desconfiança internacional e a OPEP (Organização dos Produtores e Exportadores de petróleo) elevasse o preço do barril de US$ 0,35 para US$ 1,00, daí para US$ 1,30.

Em setembro de 1973, um ataque capitaneado por integrantes da OPEP pegou Israel durante o recesso do Yom Kippur, sendo rechaçado pelas forças israelenses com auxílio dos Estados Unidos. Em represaria, os membros daquela organização suspenderam o fornecimento de petróleo aos países inimigos, estabeleceram quotas para os países indiferentes e mantiveram o fornecimento aos países amigos, grupo em que se encontrava o Brasil. Em todo o caso, ninguém ficou livre do choque, quando o Barril saltou para US 3,50 e, um ano depois, atingiu US$ 14,00, mantendo-se relativamente estável até 1979.

Ocorre que o padrão de consumo dos produtores de petróleo em geral causou uma deterioração nas relações de troca e o poder aquisitivo deles foi declinando ao longo dos anos. Ademais, a inundação de moeda americana na economia mundial causada pelo volume arrecadado com petróleo (petrodólares) jogou os juros para muito baixo e incentivou-se o endividamento, principalmente, dos países do terceiro mundo. Uns, que produziam petróleo, torraram seus recursos em bens de consumo, como a Venezuela e o México, enquanto outros investiam em material bélico, como o irã. Um segundo choque tornou-se inevitável, a fim de investidores e especuladores liquidarem seus compromissos. Em dezembro de 1979, o petróleo atingiu os US$ 39,00. Balanças comerciais desequilibraram-se e a inflação subiu,

A reação dos Estados Unidos foi, para resguardar o valor da moeda e sua posição hegemônica, tendo em vista uma inflação acima de 10% ao ano, através da Federal Reserve, subir a taxa de juros, que atingiu os 20%, causando uma crise internacional de consumo, além de comprometer os países que não conseguiram equilibrar suas contas externas no período.

O capital financeiro concentrado nas instituições americanas requeria circulação para ser remunerado e os empréstimos de instituições privadas para governos pôs em risco alguns bancos, o que provocou o corte do crédito a economias significativas como a brasileira, a mexicana e a venezuelana mas atingiu também outras menores como a de Israel, em que a dívida per capta chegava aos US$15.000,00, contra os US$ 1.200,00 do Brasil. Como dizia Marx, todas as crises econômicas são precedidas por crises financeiras porque é a perda de sincronicidade na liquidação dos papéis que provoca o efeito dominó que se alastra para o lado real da economia. Esse movimento, segundo Bresser Pereira, foi anunciado à luz do entendimento dos ciclos longos de Kontratiev, por Ignácio Rangel. Para esse autor, a mudança de comportamento dos Estados Unidos perante a economia mundial e seu relacionamento com os países menos desenvolvidos terá sido a assunção de um modelo aderente ao globalismo.

2. Cenário interno

O primeiro choque do petróleo pegou o Brasil num ciclo de seis anos com crescimento maior que 10% ao ano. Esse crescimento deveu-se mormente a dois fatores, a bem-sucedida estabilização econômica implantada por Roberto Campos e a grande capacidade de endividamento público e privado, haja vista que o mercado de crédito era incipiente no Brasil. Além disso, saía o Presidente Médice com Delfim Neto, seu ministro da fazenda, e subia o Gen. Geisel ao poder. Com ele uma nova equipe econômica contendo Reis Veloso no planejamento e Mário Henrique Simonsen na fazenda. Ambos participaram ativamente da elaboração do II PND que continha uma meta de manter o crescimento acima dos 8% ao ano. Já não se poderia contar com investimentos diretos no montante dos dez anos anteriores mas havia uma grande disponibilidade de capital financeiro sob a forma de petrodólares a juros muito baixos, o que não preocupou incialmente os membros da equipe econômica porque partia-se de uma dívida externa não maior que 12% do PIB.

Além de investir na prospecção de petróleo que redundou na descoberta das reservas de Campo RJ, assim como a expansão das atividades da Vale do Rio Doce para a Amazônia, em dezembro de 1975, por decreto presidencial, criou-se o Proálcool, sob o pretexto de reduzir a dependência do petróleo.

Não resta dúvida de que o alto preço do barril permitia uma tentativa como essa mas, na verdade, a intenção era eliminar estoques de açúcar acumulados desde 1971, quando, por iniciativa do governo americano, fez-se uma verdadeira campanha contra o produto brasileiro. Prova disso foi que as exportações caíram de, em 1971, 3,2 milhões de toneladas para 1,2 milhões em 1974. Usar a fermentação do açúcar como combustível não seria outra coisa do que repetir a fórmula empregada pelo IAA durante a era Vargas, adicionando-se etanol à gasolina. Os subsídios começaram em 1979, quando qualquer perspectiva de subida do preço do açúcar foi descartada e partiu-se para a construção de destilarias não anexas às usinas de açúcar, perpetuando os subsídios e provocando seriíssima concentração de renda.

Ainda por força do II PND, contando com recursos externos, sagrou-se o acordo nuclear com a Alemanha que resultou nas usinas Angra 1 e Angra 2, o que, sozinhas faziam a dívida externa aumentar em quase 50% em quatro anos. Criou-se mais uma estatal para isso, a Nuclebras.

Ainda contando com capital externo, o Brasil bancou sozinho a construção da usina de Itaipu, entre o Brasil e Paraguai e, para isso, criou-se mais uma estatal, a Itaipu binacional.

No esforço de equilibrar as contas externas, também para manter a formação de capital, o Estado Brasileiro fez dois outros investimentos vultosos. A construção da Ferrovia do Aço visava agregar valor ao minério de ferro e minorar os custos de logística, colocando-o no porto de Cepetiba. E a Usina de Peletização de Tubarão, em Vitória, em sociedade com os japoneses.

Usando o pensamento de Ignácio Rangel e seus companheiros do ISEB (Instituto superior de estudos Brasileiros)do Rio de Janeiro, o dualismo brasileiro, em que há fatores internos e externos, fez-se presente porque a capacidade de o estado brasileiro continuar investindo para manter o desenvolvimentismo ia-se esgotando, tornando, por consequência, cada vez maior a importância da atração do capital externo, que não era abundante graças à política monetária de Paul Volker.

É de se esperar que os investimentos tenham causado uma grande subida da dívida externa, que atingiu os US$ 60 bilhões em 1980. Ocorre que, em 1979, as contas externas do Brasil estavam fragilmente equilibradas, mesmo assim, sob controle. Foi a escalada da taxa de juros americana que levou a dívida a dobrar novamente até 1982 quando o crédito literalmente minguou, colocando o país numa crise externa de que só saiu realmente vinte anos depois.

Naquele período, o Brasil passava de um modelo de substituição de importações, visando a industrialização, para outro de substituição de exportações, visando usar a mão de obra barata e o parque industrial instalado para diminuir o peso da exportação de produtos primários por outros industrializados, mormente automóveis montados, automóveis CKD e autopeças. Essa política seria vencedora se não viesse no rastro de duas medidas altamente discutíveis, uma com reflexos até os anos 1990, a Lei de Informática, e outra cujos efeitos sentimos até hoje, a lei 6404/1976, também conhecida como lei das S/A.

A lei de informática não permitia a importação de computadores e circuitos lógicos, que deveriam ser produzidos internamente por empresas de capital nacional, o que encareceu a automação de processos industriais, a informatização dos processos administrativos e eliminou grande parte das vantagens comparativas em que a política de substituição de exportações se apoiava. Pior ainda, induziu produtos exportados a receber componentes computadorizados no país de destino, reduzindo-lhes o valor agregado.

A lei 6404/1976, por sua vez, permitiu que empresas de qualquer porte e com qualquer número de sócios mantivesse-se como limitada, deixando de publicar balanços e mesmo desobrigadas de seguir os padrões de demonstração contábil do Brasil. Criaram-se verdadeiras caixas pretas que, a qualquer momento poderiam deixar o país e com poder de pôr o estado contra a parede. A Fiat do Brasil já nasceu limitada, enquanto as demais fabricantes foram migrando de S/A com parcela de capital nacional, para o outro tipo de sociedade. Se bem que os empréstimos em moeda estrangeira tivessem de ser autorizados pelo banco Central e avalizados pelo governo, a falta de acesso aos números impedia controlar a parcela do patrimônio líquido comprometida, a ponto de isso ser registrado no artigo “Immiserazing Growth” de Carlos Diaz-Alejandro em 1977.

Os desmandos no campo político e dos direitos humanos dos governos militares, que já vinham ensejando um processo de abertura, somaram-se à escalada da inflação e desastres ecológicos como o da vila Socó, em Cubatão. O resultado foi uma pretensa redemocratização que levou Sarnei, eleito indiretamente, ao poder em 1985 e, como a inflação ão baixasse, editou-se o Plano cruzado em fevereiro de 1986 com congelamento de preços mas sem a contrapartida na redução dos gastos do Governo, o que continuou pressionando preços até que, em julho daquele ano instituiu-se o depósito compulsório para reduzir a demanda por alguns bens duráveis (Plano Cruzadinho). O plano Cruzado também previa a manutenção do dólar a Cz$ 13,80 pelo tempo que durasse o congelamento, o que deteriorou mais ainda as relações de troca, assim como consumiu as parcas reservas amealhadas em anos anteriores, graças à redução de consumo das famílias brasileiras. Mas o congelamento manteve-se até cinco dias depois das eleições, quando se forjou o termo “Estelionato eleitoral”. Os preços represados explodiram e levaram o Brasil à moratória unilateral em março de 1987. Em maio daquele ano, novo congelamento com o Plano cruzado II e instituição do “gatilho salarial” que permitia reajustes parciais de salários, sempre que a inflação atingisse os 20%. Durou somente três meses e culminou com a queda de Dilson Funaro. A seguir, veio o Plano Bresser que não encontrava apoio nem político, nem econômico, pois os gastos púbicos não caíram mas derrubaram o ministro depois de mais uma moratória, desta vez, perante o clube de Paris.

Já depois da promulgação da CF88, veio o Plano Verão de Maílson da Nóbrega, novo congelamento e fracassou por confisco escamoteado da poupança e não conter gastos públicos, o que já era mais difícil por conta do trem da alegria.

Depois de cinco mudanças de moeda e uma sucessão de planos fracassado, já não se podia dizer que o Brasil tivesse uma orientação de desenvolvimentismo keynesiano, ou melhor, qualquer orientação, vigorando a mera casuística, aliada a uma herança de empresas estatais que só faziam alimentar a burocracia, como Embratur, Embrafilme e Caeeb, esta última só administrava o seguro das usinas de Furnas. Tudo isso redundou na eleição de Fernando Collor de Melo, numa campanha fortemente populista a ponto de se usar o termo “descamisados”, criado por Evita Peron no início dos anos 1950. Orientou-se a economia declaradamente na direção do neoliberalismo.

O Plano Collor, como declarou Fidel Castro em entrevista ao Roda Viva da Rede Anchieta, foi uma violência que nem mesmo ele teve coragem de aplicar na Revolução cubana. As indenizações por diferenças entre a correção dos empréstimos e a da poupança, que favoreceram as instituições financeiras correm até os dias de hoje, comprovando que o heterodoxo, mesmo quando destinada à adoção de políticas neoclássicas posteriores, correm seriíssimo risco de não darem certo por esterilização, como diriam os adeptos da escola das expectativas racionais.

3. Conclusão:

A partir da crise dos anos 1970 e 1980, a capacidade de o Estado Brasileiro investir não se reduziu, esgotou-se, seja via arrecadação, seja via tomada de empréstimos. Mesmo assim, houve uma contumaz relutância em cortar gastos, herança do desenvolvimentismo do período militar somada à falta de traquejo no convívio com a democracia. O foco foi do desenvolvimento para a estabilização, no que Collor também não foi bem sucedido, o que coube ao Plano Real de Itamar Franco, com a condução de FHC.

Referências:

Bacha, Edmar L e BONELLI, Regis – -Uma interpretação das causas da desaceleração econômica do Brasil, Revista de Economia Política, vol. 25, nº 3 (99), pp. 163-189, julho-setembro/2005

BELIK, Walter; RAMOS, Pedro Ernesto; VIANA, Carlos E. R. Mudanças institucionais e seus impactos nas estratégias dos capitais do complexo agroindustrial canavieiro no Centro-Sul do Brasil. Anais do XXXVI Encontro Nacional da Sober. Poços de Caldas, 1998.

CARVALHO, Carlos Eduardo. As origens e a gênese do Plano Collor. Nova econ., Belo Horizonte , v. 16, n. 1, p. 101-134, Abr. 2006. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci arttext&pid=S0103-

FONSECA, Pedro Cezar Dutra. O processo de substituição de importações, In: Formação Econômica do Brasil”, Capítulo 11/ Organizadores: José Márcio Rego e Rosa Maria Marques. São Paulo: Saraiva, 2003. Disponível em:

http://www.ufrgs.br/DECON/publionline/textosprofessores/fonseca/capitulo11.pdf.

Sallum Jr, Brasilio – Metamorfoses do Estado brasileiro no final do século XX Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 18, núm. 52, junio, 2003, pp. 35-54 Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais São Paulo, Brasil Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=10705203