Geralmente, quando se escreve sobre a industrialização no Brasil e se admite que a cafeicultura tenha tido papel preponderante, está-se fazendo uma História “paulistocêntrica” porque, além de ficarem de fora empreendimentos fluminenses como os de Mauá em meados do século XIX, assim como os de Delmiro Gouveia entre alagoas e Bahia na virada para o XX, bem como reduz-se a importância da indústria têxtil fluminense, nem empresários notáveis como os Gerdau, os Johanpeter, os Steinbruch e os Guinle. Por questões de recorte geográfico, sem menosprezar a importância do que ocorreu no resto do país, considere-se aqui a industrialização paulista porque foi a mais pungente para um recorte temporal que vai do fim da escravidão à fundação da Federação das Indústrias de São Paulo.
A hipótese é que a industrialização brasileira não se tenha dado por um grupo somente, os cafeicultores paulistas, mas por cinco, incluindo-se burgueses imigrantes, manufatureiro,, importadores e multinacionais. Disso decorreu uma certa falta de coesão, apesar de haver diálogo constante e contínuo entre eles, o que permitiu que, aos poucos, ela própria se extinguisse, dando lugar aos grandes conglomerados internacionais.
A migração do senhor de terras escravista, com características feudais, para um empresário industrial urbano costuma ser vista como consequência de capital amealhado pela reprodução ampliada da economia cafeeira. Não se trata de uma visão errada, somente incompleta. Houve fatores externos muito conhecidos como o crescimento exponencial da mercadoria nos Estados Unidos que garantia quantidade e preço para exportação, mas houve fatores internos, muito menos estudados. Um deles foi o papel do colonato que, além de ampliar significativamente a margem para o senhor de terras, liberou-o da administração direta, permitindo-lhe mudar para as cidades, viajar e ter contato com o que já se fazia no resto do mundo. Pode-se imaginar que, por maior que fosse a produtividade e o lucro, se o senhor de terras tivesse de estar presente o tempo todo na fazenda, o processo não teria a rapidez e magnitude que tomou. Mas Alexandre Saes, em sua tese de doutorado, mostra, estudando a guerra entre os Prado e a Light, que o capital oriundo da cafeicultura não se dirigiu nem somente, nem mormente para a indústria, fomentando serviços púbicos como energia, distribuição de água, transporte público e construção de ferrovias, atividades que propiciaram a fixação da mão de obra na cidade, criando mercado para bens de consumo. Ao mesmo tempo, outros interesses, especialmente o da especulação imobiliária rural, desviaram a atenção de cafeicultores, fazendo com que empresas como a CAIC (Cia Agrícola de Imigração e Colonização) deixasse o ramo da atração de braços estrangeiros para a lavoura, tornando-se a Cia Agrícola Imobiliária e Colonizadora, explorando grandes glebas como a Fazenda Ponte Pensa no noroeste do estado a ser servida pela Ferrovia Araraquarense, ramal da Mogiana, todas do mesmo empreendimento. Esses lotes eram adquiridos predominantemente por imigrantes que amealharam alguns recursos e pretendiam tornar-se, eles próprios, cafeicultores, tornando-se empregadores e ampliando o mercado para bens industrializados. Dessa forma, é de se supor que o capital empregado na industrialização tenha advindo também da reprodução ampliada dos demais investimentos originalmente de fazendeiros, o que resultou em indústria de porte como a Vidraria Santa Marina de Antônio Prado e Elias Jordão. Cabe lembrar que esse grupo de investidores não se desligou do meio rural, só migrou lentamente de volta para a cana de açúcar destinada ao mercado interno a partir da crise de 1906. Prova disso são a Fazenda São Martinho da família Prado, dando origem à usina São Martinho, e a Fazenda-modelo Amália da família Dumont que, quando vendida aos Matarazzo, só possuía 20% de sua área ocupada pelo café, enquanto sua atividade industrial criou cidades como Santa Rosa do Viterbo, onde se encontravam a fábrica de papelão à base de bagaço de cana e a de ácido cítrico extraído da vinhaça.
Sem tecnologia não se faz indústria. Uma forma de absorvê-la foi a nacionalização da manutenção do material ferroviário, entre outros mecanismos importados, aproveitando o conhecimento de imigrantes oriundos do ambiente urbano em seus países de origem. Daí surgirem muitas oficinas que, da manufatura passaram à indústria, contrariando autores como Florestan Fernandes e outros que consideraram que a industrialização brasileira não passou pelo artesanato e pela manufatura, dependendo, desde a origem do grande capital. Sérgio Silva até estabeleceu a porcentagem de trabalhadores urbanos empregados em empresas com mais de cem empregados, a partir de dados do senso de 1920. Os números eram aparentemente muito significativos, só que a metodologia de então, capitaneada pela IBM, que chegou ao Brasil em 1917, não incluía as manufaturas. Não consideraram empresas como Auto Asbesto, que teve seu capital aberto nos anos 1940 que, como a Cofape, tornaram-se fabricantes de autopeças para reposição em uma frota crescente, servindo de esteio à nacionalização da indústria automobilística nos anos 1950. Também não aparecem metalúrgicas como Dedini, Zanini e Lorenzetti que se dedicaram à caldeiraria, portanto, indústria de base com produtos aplicados desde as fábricas de tecido, até usinas de açúcar e álcool.
Com o grupo dos cafeicultores conviveu e não raro associou-se o dos imigrantes burgueses,, como denominava Waurren Dean. Segundo o autor, tratava-se de burgueses que imigraram em busca de oportunidades no Novo Mundo e que trouxeram significativo capital consigo. foram eles os Dumont e os Fischer com usina de açúcar em são Simão, os Matarazzo com suas indústrias, os Melchert e os Weiszflog com a Cia Melhoramentos de Papel em Itu, Martinelli, os Jafet com suas fábricas de tecidos e muitos outros.
Mais uma forma de adquirir tecnologia foi via importações licenciadas, o que ocorreu por cafeicultores que, mais tarde, tornaram-se industriais como, por exemplo, Cia. Mecânica e Importadora de Augusto de Souza Queiroz e a própria Mesbla que de importadora dos automóveis Chevrolet, passou a sócia da sua linha de montagem em São Paulo.
Todos os grupos beneficiaram-se da I Guerra, quando as importações, quando não proibidas, foram extremamente dificultadas pelo afundamento dos navios e pelo próprio esforço de guerra nos países de origem. No “boom” do pós-guerra, muitas empresas viram, na América latina em geral e no Brasil em particular, um mercado considerável e com uma infraestrutura urbana e de manufatura que sustentassem seus investimentos industriais. Foram a Ford em 1919, a Nestlé em 1921, a Chevrolet em 1923, a Colgate em 1927, a Gessy-Lever em 1929, a Pirelli em 1929 entre muitas outras das mais diversas origens, todas precedidas pela Casa Edison da GE, aberta em 1909.
Os empresários, em sua diversidade, fundaram, capitaneados por Matarazzo e Roberto Simonsen e outros, a Fiesp como entidade reivindicativa perante o governo de Vargas, especialmente, para criar um ambiente protecionista que defendesse a classe dos efeitos da crise de 1929, consequentemente, da desindustrialização. Imediatamente, as multinacionais instaladas no Brasil, independentemente de serem ou não sediadas em São Paulo, tomaram parte no empreendimento que passou a dialogar, até mesmo apoiar a ditadura, posto que uma das intenções seria transferir para o Estado o diálogo com a classe operária, evitando o desgaste na construção de um pacto com os trabalhadores.
Passando do factual às mentalidades, a discussão se volta para a participação dos industriais na estrutura nacional de poder. Agnaldo de Souza Barbosa, em seu brilhante artigo “REVISITANDO A LITERATURA SOBRE O EMPRESARIADO INDUSTRIAL BRASILEIRO: dilemas e controvérsias” de 2013, aponta que que a visão do empresário industrial brasileiro é recorrentemente negativa, considerando-a aristocrática, passiva e dependente do Estado. Para ele, concordando com Renato Raul Bosque, isso chega a ser injusto. Para ambos, O empresariado brasileiro teve participação ativa na construção das políticas econômicas, não somente no recorte temporal deste texto como até o ultimo quartel do século XX. A este autor, parece que não se pode esquecer que a xenofilia que caracteriza o industrial brasileiro baseia-se em dois fatores, a grande participação de imigrantes, dotados ou não de capital, na aquisição da tecnologia e no espírito empreendedor, somada à admiração que os empresários oriundos da economia rural sempre tiveram pelo estrangeiro. Essa xenofilia, por sua vez, fez com que a indústria multinacional tivesse sempre as portas abertas para o mercado nacional, sendo mesmo festejadas à sua chegada. Nesse aspecto, a classe industrial brasileira não foi digna desse epíteto, o que ocasionou sua quase extinção a partir da abertura dos anos 1990.