História Econômica do Brasil

A quebra da bolsa de New York e suas consequências para a economia brasileira

Marx (1996, Livro I) dizia que toda a crise econômica é precedida por uma crise financeira. Dizia ele que era a perda da sincronicidade que levava à destruição de valor que atingia o investimento, consequentemente o emprego como um castelo de cartas que rui. A crise de 1929 não foi diferente. Muito embora não se trate de um autor reconhecido como historiador, o financista Ivan Sant’Ana (2014)[1] deve estar entre as leituras obrigatórias para quem pretende entender, mesmo que parcialmente, os eventos que culminaram no craque. Mais que uma crise anunciada, tratou-se de uma crise consentida e administrada por quem sabia estar apto a sair-se bem daquele imbróglio. Desde a segunda metade de 1927 a bolsa já vinha dando sinais de fragilidade com oscilações abruptas, porém, controláveis por intervenções do sistema financeiro americano, ou seja, o próprio setor privado tratava de adiar a catástrofe. A partir de março de 1928, os abalos foram-se intensificando e as negociações para que os grandes bancos interviessem cada vez mais difíceis. No dia 24 de outubro de 1929, a bolsa caiu doze pontos, recuperando seis no dia seguinte por conta de uma maciça compra de ações de primeira linha por parte do City Bank. Na segunda-feira seguinte, a bolsa retomou mais três pontos pelo efeito-manada mas a queda atingiu vinte e três pontos na terça-feira negra e não houve quem se interessasse, ou mesmo tivesse recursos, para adiar ainda mais o inevitável. É que, desde 1926 a renda interna americana já não acompanhava o crescimento do preço dos ativos e essa dissociação fatalmente induziria os mais atentos como Babson[2] a sair dos fundos que já atingiam o quinto grau. Mas a crise não se limitou à diferença em valor entre os ativos financeiros e o patrimônio líquido das maiores empresas americanas, que já vinha amargando prejuízos por mais de três anos seguidos. Ela foi além e estima-se que o PIB dos Estados Unidos tenha caído 50% até 1933 e, até 1936[3], não houve recuperação capaz de levar a produção aos níveis anteriores a outubro de 1929.

Hobsbawn, (1995) baseia-se em dados da Liga das Nações para explicar como a catástrofe alastrou-se mundo a fora. O autor cita a América do Sul, a Austrália e vários países do oriente como grandes perdedores por basearem suas economias na exportação de bens primários, geralmente, com baixa elasticidade-preço da demanda.

O caso brasileiro era particularmente grave porque seu principal bem de exportação, o café era de altíssima elasticidade-preço da renda, ou seja, qualquer queda na renda do consumidor fazia com que ele procurasse um bem inferior como a cevada, para suprir um desejo meramente acessório. O produto que já vinha sendo subsidiado desde o acordo de Taubaté (1906), exceto pela geada de 1918, quando a queda de produção realmente reduziu estoques, vinha trilhando um caminho de sucessivas supersafras. Tratava-se de um processo perverso em que, quanto maior fosse a diferença entre o custo de produção e o preço de mercado, maior era o subsídio que induzia o aumento de produção, que, por seu turno, gerava estoques ainda maiores, requerendo mais subsídios. Para agravar a situação, conforme estudado por Silva (2016), as variedades de cana oriundas de Tucuman (Argentina) plantadas no sudeste a fim de combater o carvão, eram suscetíveis ao mosaico, provocando uma queda de 80% na produção de açúcar e 60% na de álcool do estado de São Paulo. Isso requeria importação desses dois produtos a partir do Nordeste, deixando menos estoques disponíveis para exportação. Pior que isso era o fato de diminuir a capacidade de subsidiar a produção de café. Naturalmente, devido ao enorme peso da agricultura no período que antecedeu o craque, a variação de preços e quantidade colhida refletiram-se intensamente na variação do PIB. Como demonstram os números de Veloso e Zerkowski (1982), o Brasil teve decréscimo do PIB em 1921, 1924, 1925 e 1926, oscilando sobremaneira nos anos de crescimento.

Não é de surpreender que as correlações de força estivessem em crise a ponto de Arthur Bernardes ter governado em estado de sítio por todo o seu mandato e presenciarem-se revoltas como a tenentista de 1922, a de 1924 em São Paulo e as incursões do exército revolucionário de Luís Carlos prestes. Foi então que Washington Luís quebrou o pacto do Café-com- leite e lançou a candidatura de Júlio Prestes., O craque da bolsa, que provocou uma queda de 0,5% do PIB em 1929 e 6,6% em 1930[4] Veloso e Zerkowski (1982), aliada à fragilidade política anterior, levou ao golpe de 1930. Barbosa (2013) atribui o golpe à perda de poder econômico dos cafeicultores que não conseguiram manter o apoio à candidatura de prestes, indício de mudanças na já insustentável correlação de forças. Embora parcialmente verdade, segundo o mesmo autor, a mentalidade do cafeicultor já mudava da de senhor de terras para a de empresário, formando-se um grupo, congregado na Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo). Esse grupo, acolheu de braços abertos as multinacionais (Casa Edison em 1909, IBM em 1917, Ford em 1919, GM em 1923, Colgate em 1927,, Gessy-Lever e Pirelli em 1929, entre outras) que se instalaram na esteira do “boom” americano. Fortalecida, a indústria nacional passou a almejar meios para transferir para o Estado o desgaste no relacionamento com os sindicatos.

As Medidas de intervenção federal na produção dos principais produtos de exportação foram a fundação do IBC Instituto Brasileiro do Café e IAA (Instituto do Açúcar e do Álcool). O primeiro eliminou estoques queimando o café de safras anteriores e, em muitos casos, especialmente nas regiões onde os cafezais eram velhos, mal espaçados e em relevo inadequado, erradicaram-se plantações inteiras. Algumas cidades do vale do Paraíba, tanto em São Paulo como no Rio de Janeiro, jamais se reergueram economicamente. O excesso de açúcar teve outro destino, a fermentação para que se transformasse em álcool anidro a ser adicionado na proporção inicial de 5% à gasolina, percentagem esta que subiu até os 15% próximo da II Guerra

A Constituição Federal de 1934, em seu artigo 121, parágrafo 6, limitou a imigração para 2% do contingente já instalado nos últimos cinquenta anos, o que, na prática, proibiu a busca de braços no exterior, incentivando a migração interna. Isso tentava resolver o problema de emprego no Nordeste, ao mesmo tempo em que, em 1936, editou-se a lei 178/1936 que proibia a importação de usinas de um estado para outro. Isso alterou definitivamente o eixo produtor dessa mercadoria para consumo interno do Nordeste para o sudeste, enquanto o açúcar oriundo da primeira região destinar-se-ia à exportação. É que, enquanto o Nordeste importava maquinário para seu parque açucareiro, o Sudeste tinha empresas como Dedini, Zanini e Lorenzetti que, em conjunto ou separadamente, eram capazes de construir novas, ou reparar e modernizar as plantas já existentes a custos menores.

O chamado período de recuperação, compreendido entre 1931 e 1937, caracterizou-se pela federalização da intervenção estatal na economia, o que antes era circunscrito aos estados. O resultado, ainda com números de Veloso e Zerkowski (1982), foi de uma queda do PIB de 4,5% em 1931 para um crescimento de 1,2% em 9,9% em 1936. Por menos que essa aproximação estatística seja confiável, sujeita a variações exageradas pela falta de dados, pode-se acreditar que, de fato, até 1936, o nível de produção tenha sido retomado, porém, em bases muito distintas, em que a indústria se fez muito presente, segundo a mesma fonte.com crescimento anual de 10% no período. Resolvida a questão dos excedentes dos dois produtos exportáveis, café e açúcar, cabia promover a industrialização, o que passava pelo controle das relações capital-trabalho, deixando de fora a mão de obra rural que, pela dispersão e pulverização não representavam ameaça à lucratividade do setor. O processo começou com a Constituição de 1934, consolidou-se no Estado novo com a edição da CLT em 1943. Ao mesmo tempo, o Estado passou a investir na indústria de base com a construção da fábrica Nacional de Motores e a da Siderúrgica Nacional, mesmo que ambas não tivesse funcionado no período até 1945, recorte temporal deste trabalho. Na verdade, entre 1937 e o fim da guerra Sentada (1941) o crescimento do PIB esmoreceu sendo muito próximo de zero em alguns anos, retomando o ritmo com o recrudescimento da II guerra.

Do que se viu, depreende-se que o Brasil emergiu do Estado Novo muito diferente de como entrou na crise de 1929, se não como pais mudado de agrícola para industrializado, de rural para urbano, no mínimo, com uma economia muito mais diversificada, porém, dependente do Estado não somente para investimentos em infraestrutura como fonte de recursos para o investimento privado, seja via confiscos como o de 3% sobre o açúcar, seja o de 10% sobre o cacau, este último destinado à Ceplace em outros programas de financiamento industrial, sempre via Banco do Brasil, prática de que o Brasil não se desvencilhou até os dias de hoje.

1.Ivan Sant’Ana, nascido em 1942 e graduado em finanças pela New York University, foi operador das bolsas de New York e Chicago por quarenta anos. O livro em questão é “1929”, EDITORA OBJETIVA LTDA, Rio de Janeiro, 2014.

2. Roger W Babson (1986 – 1967), economista e empresario americano, fundador do Babson College.

3. A contabilidade nacional americana foi implantada em 1936, daí as estimativas anteriores serem feitas a partir de indícios setoriais comparados ao registrado no ano de instalação de um processo de registro contínuo.

4. A contabilidade nacional foi implantada no Brasil em 1946 mas tornou-se efetiva em 1949, o que levou os estatísticos e considerar indícios setoriais para estimação com base em 1949.